Consumo das famílias aumenta, mas não reflete na popularidade do governo, que se vê acuado por boatos sobre o pix e inflação dos alimentos 6q3m2o
A manchete da Folha de hoje tem a cara do jornal paulistano. A informação positiva para o governo não pode ser noticiada sem uma adversativa.
O PIB mostra dados interessantes, como o aumento do consumo das famílias, que é uma indicação de bem-estar e que foi a pedra de toque da política econômica dos governos anteriores de Lula. Com as famílias consumindo, o desemprego em baixa e, de quebra, um aumento da atividade industrial, que dá fôlego à esperança desenvolvimentista que também sempre orientou o PT, era para estar tudo mais ou menos bem, não?
Não está. A popularidade de Lula está em queda, mesmo no Nordeste, e todos os sinais de alerta se acenderam no Planalto.
O governo está certo ao entender que precisa operar no curtíssimo prazo. Não tem espaço para adotar políticas que só rendam frutos no futuro, mesmo próximo, já que a popularidade do presidente é um dos poucos trunfos que lhe restam diante de sua base “de apoio” vacilante, venal e traíra.
Mas demonstra uma enorme dificuldade de entender que as regras desse jogo mudaram e que a disputa política está diferente do que era no começo do século.
A esta altura, já deve estar evidente que não adianta colocar um marqueteiro no ministério. Para o bem ou para o mal (na verdade, muito mais para o mal), a ascensão da extrema-direita repolitizou o debate político.
A expressão parece confusa, mas é simples de entender. Em vez de discutir só ou mesmo prioritariamente o desempenho (crescimento econômico, índices disso ou daquilo), estão em questão os projetos de sociedade.
A direita apresenta o seu, com clareza. Um país cada vez mais desigual, em que os pobres recebam a justa punição por serem carentes de mérito e os espertos as prebendas de sua esperteza, em que as violências sejam reconhecidas como parte de nossas tradições, em que os diferentes sejam deixados à margem. Um projeto feio, sim, mas um projeto.
Já o governo Lula, o PT e a esquerda de modo geral apresentam o quê?
Aos olhos do público, apenas a continuidade do que já temos. Com PIB em crescimento e desemprego em queda, sim, mas nada mais.
Não se resolve a questão a golpes de marketing. Sim, o marketing é um instrumento indispensável da política contemporânea – um fato que precisamos itir, gostando ou não. Mas é um instrumento. Precisa estar a serviço de um projeto definido politicamente.
Se o peso do bem-estar material na avaliação subjetiva dos governos mudou, diante de ameaças etéreas como o “comunismo” ou a “ideologia de gênero”, é preciso ter um projeto que redimensione essa equação e coloque o debate em outros termos.
Até porque a comunicação da direita contribui para que o peso dado às diferentes questões na avaliação subjetiva da conjuntura (o primimg, na terminologia dos estudos de comunicação) mude. O consumo das famílias aumenta, mas as pessoas focam na inflação dos alimentos – que é real, mas à qual o governo dá respostas comprovadamente inócuas, como reduzir o imposto de importação.
O desemprego cai, mas a questão principal é a suposta taxação do pix.
Diante disso, o governo age de maneira puramente defensiva. O vexame do pix, no início do ano, foi o exemplo mais claro. Como disse, também na Folha de hoje, a colunista Adriana Fernandes, lembrando da operação policial, logo antes do Carnaval, que desmontou um esquema de lavagem de dinheiro do PCC, “deixar o crime organizado usar uma infraestrutura pública para dar golpe por medo do que Nikolas Ferreira vai postar é inaceitável”.
Agora, o Banco Central baixou medida para bloquear registros de pix irregulares, como de pessoas mortas e Fs e CNPJs invalidados. Será que o governo mantém? Estão aí, de novo, os bolsonaristas divulgando mentiras, tentando criar uma onda de revolta contra uma medida – não custa ressaltar – absolutamente óbvia.
Em meio a tudo isso, Lula resolve visitar um acampamento do MST. Como sempre, nos momentos em que a coisa aperta, uma saída é fazer acenos à esquerda, para reanimar a militância.
Foi assim em 2014, quando Dilma estava para perder a reeleição. Calibrou o discurso, animou o pessoal, ganhou – e colocou o Levy no Ministério da Fazenda, para aplicar uma política de austeridade no melhor estilo da direita.
Há uns meses, eu escrevi que o governo não precisa tanto de popularidade, mas de apoio: de mobilizar sua base social com base em um projeto claro e com um propósito também claro de enfrentamento – já que a acomodação permanentre foi testada e mostra que não dá certo.
Mas isso não se resolve com acenos.