Cesteh/ENSP e Muca lançam projeto sobre a saúde dos camelôs

Por Barbara Souza, Informe Ensp

Avaliar as condições de saúde dos camelôs e formar multiplicadores entre eles para disseminar informações sobre o tema. Essas são as duas frentes do projeto de pesquisa e formação “Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora camelô no Rio de Janeiro: um olhar para a informalidade através do Muca”. A iniciativa é resultado de parceria entre o Centro de Estudos de Saúde de do Trabalhador e Ecologia Humana, da ENSP/Fiocruz, e o Movimento Unido dos Camelôs (Muca). O lançamento do projeto foi realizado na sexta-feira (9/5), no Centro do Rio.

Na mesa de abertura, o diretor da ENSP, Marco Menezes, comentou a complexidade do mundo do trabalho atual, destacando a degradação e a precarização das condições dos trabalhadores ao citar, por exemplo, a reforma trabalhista do governo Temer. “Para enfrentar essa situação, é necessário agir de forma interdisciplinar e intersetorial. Nessa mesa, estão o Ministério Público, a academia, o parlamento e, principalmente, o movimento social. Isso é fundamental para avançar nesse momento”, afirmou. O diretor elogiou o uso do recurso público para o projeto, financiado por verba de emenda parlamentar. “Este é um bom exemplo de como usar uma emenda parlamentar junto com e para a sociedade, com transparência”.

A coordenadora do Cesteh, Rita Mattos, explicou os objetivos do projeto. “A primeira meta é de formação na área da saúde dos trabalhadores camelôs. A perspectiva é formar cerca de cem multiplicadores. A segunda é a avaliação do estado de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras camelôs por meio de um inquérito. Também é fundamental que aprendermos muito com vocês [camelôs]”. Ela ainda agradeceu ao deputado federal Tarcísio Motta (PSOL-RJ) pela confiança depositada no Cesteh ao direcionar recursos para a iniciativa.

O autor da emenda parlamentar que destinou recursos para o projeto disse que um mandato parlamentar só faz sentido se for capaz de expressar lutas do dia a dia como a dos camelôs. “Quando vimos que esse projeto tinha, de um lado, o Muca, um movimento social fundamental para essa cidade, que articula esses trabalhadores, e, ao mesmo tempo, uma instituição séria como a Fiocruz, não tivemos dúvida de que o dinheiro público será bem empregado do ponto de vista do que defendemos”, afirmou Tarcísio Motta.

O procurador do Ministério Público Federal Julio José Araújo Júnior conduz um inquérito instaurado a partir de relatos de violências da Guarda Municipal contra os camelôs. Durante o evento, ele reforçou a posição do MPF contra o uso de armas de fogo pelos agentes da instituição – proposta recém-aprovada pela Câmara do Rio. Ao defender mais respeito à dignidade dos trabalhadores, elogiou o projeto apresentado. “Essa iniciativa é muito interessante e importante para avançarmos justamente na discussão e no diálogo para a implementação de políticas públicas. Tenho certeza que será muito proveitoso para todos nós”, disse.

Líder do Movimento Unido dos Camelôs (Muca), Maria de Lourdes do Carmo, conhecida como Maria dos Camelôs, também criticou a decisão de armar a Guarda Municipal: “Como a gente vai ter saúde?”, questionou. A representante do Muca também denunciou a falta de condições de trabalho, como a ausência de banheiros públicos: “Como se discute saúde sem banheiro, com as mulheres camelôs sem o direito de fazer sua higiene e trocar um absorvente durante a menstruação?”. Além disso, Maria dos Camelôs sublinhou a importância de os camelôs se reconhecerem e de serem reconhecidos como trabalhadores. “Nós fazemos a roda da economia girar, mas o governo não tem a gente como trabalhador”.

O projeto do Cesteh/ENSP com o Muca vai formar multiplicadores em saúde do trabalhador entre os camelôs, a fim de fortalecer a luta por direitos. Além disso, vai investigar como o trabalho e o ambiente impactam a saúde desses trabalhadores. Por fim, dará visibilidade e ferramentas para a cobrança de políticas públicas que os protejam. O Muca está nas Conferências Livres de Saúde dos Trabalhadores e Trabalhadoras representado pela coordenadora Maria dos Camelôs, que foi eleita delegada para garantir que as demandas da categoria sejam ouvidas na 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (5°CNSTT). “Esse momento de hoje e todo esse processo que é o processo de formação vão nos ajudar a mobilizar ideias e propostas para colocar em debate na conferência”, ressaltou o diretor da ENSP.

Palestra de lançamento

O evento teve como palestrante o sociólogo da USP Ruy Gomes Braga Neto. O convidado analisou a desvalorização simbólica e social do trabalho formal. Ele explicou o contexto no qual cada vez mais os trabalhadores, especialmente os mais jovens, consideram o vínculo trabalhista formal CLT “pouco atraente”, descrevendo o que chamou de “desmantelamento da sociedade salarial brasileira”.

O professor fez um retrospecto histórico desde a ditadura militar, período marcado por ataques ao mundo do trabalho e por terceirizações. Em seguida, ou pela redemocratização, destacando conquistas da Constituição de 1988. Ao chegar à década de 1990, falou sobre como a onda neoliberal levou a novos retrocessos. Sobre os anos 2000, ressaltou a recuperação do emprego formal, mas com salários mais baixos. Ruy Braga também lembrou das crises econômicas de 2008 e 2016, quando houve uma “devastação do emprego”.

Quanto à atualidade, o professor disse haver uma “nova informalização” controlada pelo algoritmo, na qual big techs e plataformas de serviços se beneficiam da massa de trabalhadores disponíveis sem garantir nenhum direito. Ruy Braga falou sobre como, em crise, o capitalismo reduziu os custos da força de trabalho e reconfigurou essas relações, desconstruindo o polo protetivo, ou seja, garantias e benefícios.

“Trabalho formal está cada vez mais parecido com o informal. É o fim do polo protetivo do trabalho, da utopia da sociedade salarial e da ideia dos direitos trabalhistas. Por isso, eu valorizo tanto movimentos como o Muca, pois lutam por direitos para os trabalhadores informais como trabalhadores, ou seja, a partir de um processo de construção coletiva da identidade do trabalho. É exatamente isso que empresas e bancos não querem. O desafio é continuar construindo esses movimentos em resistência a essa onda avassaladora de transformação do trabalho em mercadoria. E o coroamento disse tudo é a devastação
ambiental”.

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Foto: Divulgação ENSP

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