Jamil Chade: ONU denuncia PL do licenciamento ambiental e cobra atitude do governo Lula 4u59t

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Numa carta enviada em 26 de maio ao governo brasileiro, grupos de diferentes áreas de direitos humanos da ONU denunciam o texto do projeto de lei sobre licença ambiental, que afrouxa regras para obtenção de licenciamento ambiental para obras de infraestrutura.

O protesto da ONU ocorre num momento em que setores do governo Lula se mostram simpáticos à proposta. O texto do PL foi aprovado pelo Senado Federal e está em apreciação pela Câmara dos Deputados.

Na terça-feira, porém, o tema estava na base dos incidentes que levaram senadores a atacar a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Depois de atos de misoginia, a chefe da pasta se retirou de uma audiência. Ela ainda se reuniu com o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, para pedir mais tempo de discussão sobre o projeto de lei.

Agora, o documento da ONU obtido pelo UOL alerta para as violações que a proposta causaria. A carta é assinada pelo Grupo de Trabalho da ONU de Especialistas em Afrodescendentes; pelo Grupo de Trabalho sobre a questão dos direitos humanos e das corporações transnacionais e outras empresas; pela Relatoria Especial da ONU sobre a promoção e proteção dos direitos humanos no contexto das mudanças climáticas; pela Relatoria Especial da ONU sobre o direito humano a um ambiente limpo, saudável e sustentável e pela Relatoria Especial da ONU sobre os direitos humanos à água potável e ao saneamento.

“Expressamos nossa mais profunda preocupação com relação ao impacto que esse projeto de lei, se aprovado, terá sobre o gozo dos direitos humanos, incluindo o direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável; os direitos à vida e à saúde, e os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas, especialmente considerando os riscos aumentados para os direitos humanos no contexto das mudanças climáticas, uma vez que eventos climáticos severos já tiraram vidas e levaram a perdas e danos massivos no Brasil”, alertam na carta.

“Além disso, isso contrariaria as atuais medidas e os compromissos assumidos pelo governo para estabelecer expectativas claras para as empresas em relação à sua responsabilidade de respeitar os direitos humanos, bem como em relação às ações ambientais e climáticas”, afirmam.

De acordo com os relatores da ONU, as revisões do PL modificam e removem elementos “essenciais relativas à proteção ambiental no processo de licenciamento ambiental, impactando os direitos humanos, especialmente os direitos dos Povos Indígenas e das comunidades quilombolas”.

“Essas modificações podem causar danos graves e irreversíveis ao meio ambiente, agravando a tripla crise planetária de mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição tóxica”, disseram.

Os grupos da ONU alertam para riscos reais diante do PL. São elas:

Licenças de adesão e compromisso e isenção de licenças ambientais

O artigo 21 do projeto de lei trata sobre licenças de adesão e compromisso e introduz um esquema simplificado de licenciamento ambiental para a maioria dos projetos, com exceção daqueles com elevado impacto sobre o meio ambiente. “Com base nesse esquema, as licenças ambientais poderiam ser emitidas automaticamente, apenas com base na autodeclaração da empresa e sem qualquer análise técnica prévia por parte das autoridades de controle”, diz a carta.

“Na prática, não haveria avaliação prévia do impacto das atividades sobre o meio ambiente e os direitos humanos, incluindo o clima e a biodiversidade, e não haveria identificação das medidas preventivas, mitigadoras e corretivas necessárias”, destacam.

Eles apontam que, de acordo com o artigo 9 do projeto de lei proposto, uma ampla gama de atividades agrícolas será isenta de licenças ambientais. “Na prática, a única exigência para esses setores isentos seria que as empresas preenchessem um formulário de autodeclaração, sem qualquer avaliação de impactos ambientais e sem a supervisão externa das autoridades públicas, apesar de seu potencial impacto sobre o meio ambiente e o clima.”

Além disso, o artigo 8 descreve isenções adicionais ao licenciamento ambiental, incluindo serviços e obras destinados a manter e melhorar a infraestrutura em instalações preexistentes, algumas infraestruturas relacionadas à energia, como a distribuição de energia de até 138kV; trabalhos e intervenções de emergência; atividades militares; além de atividades que não estejam listadas como sujeitas ao licenciamento ambiental.

De acordo com a carta, outras disposições da lei “enfraquecerão seriamente o processo de licenciamento ambiental”. Isso inclui projetos de mineração grandes e de alto risco nas alterações da lei; a proposta de renovação automática de licenças, bem como o tempo máximo de um ano que o processo de avaliação deve levar.

“A alteração, o enfraquecimento e a eliminação das salvaguardas ambientais e dos mecanismos de supervisão estabelecidos pelo atual processo de licenciamento ambiental levariam a impactos graves sobre o meio ambiente, comprometendo o ar limpo, a água sustentável e saudável, alimentos produzidos de forma sustentável, ecossistemas e biodiversidade saudáveis, ambientes não tóxicos e clima seguro, todos essenciais ao direito a um meio ambiente saudável”, diz a carta.

Apontando leis nacionais e internacionais que seriam violadas pelo PL, os mecanismos da ONU alertam que “os povos indígenas, afro-brasileiros, quilombolas e outras comunidades rurais correm o risco de serem expostos a níveis mais altos de poluição e contaminação tóxica caso o projeto de lei seja aprovado, afetando assim o pleno gozo de seu direito a um meio ambiente limpo, saudável e sustentável”.

Coerência política

Outro alerta da ONU se refere ao risco de que o PL acabe gerando medidas locais e municipais, abalando a coordenação nacional. Isso “enfraquece os órgãos de fiscalização e prejudica a segurança jurídica ao permitir interpretações diversas entre estados e municípios”.

“Além disso, isso pode levar a uma flexibilização das regras em determinados estados ou municípios com o objetivo de atrair investimentos em detrimento dos direitos das comunidades locais e da proteção ambiental. Isso poderia prejudicar o cumprimento dos compromissos internacionais assumidos pelo país, dentre eles o de proteger os direitos humanos relativamente às atividades de empresas, além de colocar em risco a viabilidade de atingir as metas de redução de emissões de gases de efeito estufa estabelecidas pelo governo”, avalia a ONU.

Desvinculação do licenciamento das concessões de uso da água e da terra

A ONU alerta que artigo 16 do projeto de lei proposto estabelece que o licenciamento ambiental é independente de outras licenças e autorizações ambientais. “Se a licença para o uso da água não estiver alinhada com o licenciamento ambiental de projetos com uso intensivo de água, como barragens hidrelétricas, esgoto e planos de tratamento de água, isso poderá levar a um processo de licenciamento ambiental que não reflete o impacto real de tais projetos”, diz.

Terras indígenas e quilombolas e participação

Os artigos 39 e 40 do projeto de lei proposto limitam a participação das autoridades competentes responsáveis por proteger e promover os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais às terras indígenas homologadas e às terras quilombolas tituladas. “No entanto, o processo de demarcação está atrasado e todas as terras tradicionais pendentes de homologação ou titulação, que representam 32,6% de todas as terras indígenas e 80,1% de todas as terras quilombolas, seriam desconsideradas para fins do licenciamento ambiental”, alerta.

A proposta também afirma que a opinião das autoridades envolvidas não será vinculante, permitindo que os órgãos licenciadores desconsiderem a conclusão de órgãos públicos competentes e especializados.

“Gostaríamos de chamar a atenção de Vossa Excelência para os direitos dos Povos Indígenas às terras, territórios e recursos que tradicionalmente possuem, ocupam ou utilizam, conforme consagrado na Convenção no 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Brasil em 2002, na Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assinada pelo Brasil em 2007, e na Declaração Americana sobre os Direitos dos Povos Indígenas, assinada pelo Brasil em 2016”, apontam.

Responsabilidade empresarial de respeitar os direitos humanos

Para os mecanismos da ONU, o projeto de lei proposto “prejudicará a responsabilidade das empresas de respeitar os direitos humanos e o dever do Estado de proteger os direitos humanos no contexto das atividades empresariais”.

“A iniciativa contradiz as iniciativas do governo de regular a conduta empresarial com relação aos direitos humanos e ao meio ambiente, especialmente considerando o contexto das mudanças climáticas e outras crises planetárias. Também contraria o princípio fundamental do acordo comercial do Mercosul e as condições para o processo de adesão à OCDE”, afirmaram.

Outra denúncia se refere ao envolvimento de grandes empresas e associações empresariais no processo legislativo. “Embora as empresas tenham um interesse legítimo em processos regulatórios, os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos (UNGPs) enfatizam que as empresas devem respeitar os direitos humanos não apenas por meio de suas operações, mas também em seus esforços para influenciar leis e políticas”, dizem.

“A influência indevida sobre a legislação ambiental – especialmente quando enfraquece as salvaguardas essenciais para proteger os ecossistemas e as comunidades afetadas – corre o risco de violar esses princípios”, denunciam.

“As empresas devem garantir que suas atividades de lobby não prejudiquem os direitos humanos ou as proteções ambientais e, em vez disso, apoiem estruturas regulatórias que defendam os direitos humanos e o interesse público”, completam.

Na carta, os mecanismos da ONU pedem que o governo:

1. Explique como esse projeto de lei está em conformidade com as obrigações internacionais, incluindo os direitos humanos e outros compromissos sobre a conservação e proteção do meio ambiente, considerando os riscos aumentados devido às mudanças climáticas. Em particular, explique os efeitos das mudanças no procedimento de licenciamento ambiental proposto pelo projeto de lei em relação à prevenção, mitigação e remediação dos direitos humanos e dos impactos ambientais de projetos de grande escala.

2. Compartilhe informações sobre como o governo está cumprindo seu dever de proteger contra abusos de direitos humanos no contexto dos negócios, como esse projeto de lei não entrará em contradição com esse dever e como a coerência política será garantida considerando outros compromissos assumidos em prol de uma conduta empresarial responsável de acordo com os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos.

3. Explique quais medidas o governo adotou para garantir os direitos dos Povos Indígenas, das comunidades quilombolas, comunidades tradicionais e pescadores de pequena escala no contexto da aprovação desse projeto de lei e como ele se certificará de que não está violando suas obrigações internacionais nesse contexto. Em particular, esclareça quais medidas foram adotadas para garantir que esses grupos sejam adequadamente consultados e que seus direitos à terra, meios de subsistência, participação e proteção ambiental sejam respeitados, em total conformidade com as obrigações internacionais de direitos humanos do Brasil.

4. Indique quais medidas foram tomadas para garantir a participação pública efetiva, a inclusão e a consulta significativas dos Povos Indígenas e das comunidades tradicionais e quilombolas —incluindo aqueles cujas terras ainda não foram formalmente demarcadas – tanto durante a elaboração e o processo legislativo do projeto de lei quanto nos processos de tomada de decisão relativos à aprovação de futuros projetos econômicos que possam afetá-los.

5. Forneça informações sobre como o governo planeja garantir o monitoramento dos direitos humanos e dos impactos ambientais pelos órgãos públicos, considerando que o licenciamento ambiental promove a responsabilidade sobre os riscos e impactos e a eficácia das medidas de prevenção, mitigação e remediação, bem como a transparência.

Enviado para Combate Racismo Ambiental por Adelaide Lobo.

Ilustração: Lo Cole / Economist

 

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