Na INA 24e26
A INA – Indigenistas Associados, associação de servidoras e servidores da Funai – Fundação Nacional dos Povos Indígenas, manifesta veemente repúdio ao Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que promove alterações profundas no marco do licenciamento ambiental brasileiro. A proposta, aprovada pelo Senado Federal no último dia 21 de maio, compromete gravemente a proteção socioambiental e viola direitos fundamentais dos povos indígenas, em especial o direito à consulta livre, prévia e informada, além de fragilizar os critérios de avaliação de impactos de empreendimentos com potencial de causar danos irreversíveis a ecossistemas e territórios tradicionais.
O PL, ao dispensar o licenciamento ambiental para uma ampla gama de atividades econômicas (Art. 3º, §1º) e estabelecer procedimentos simplificados (Art. 4º), viola frontalmente a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro e dotada de status supralegal. Esse instrumento internacional assegura aos povos indígenas o direito de participação efetiva em processos decisórios que afetem seus territórios e modos de existência. A eliminação ou redução drástica do licenciamento inviabiliza esse direito, excluindo as condições para participação das comunidades indígenas no debate público sobre empreendimentos que podem alterar de forma irreversível seus territórios, os corpos hídricos que os peram e espaços de relevância simbólica e cultural.
Ademais, o PL suprime a obrigatoriedade do Estudo do Componente Indígena -ECI na maioria dos casos, ignorando que os impactos sobre os povos indígenas devem ser avaliados mediante critérios técnicos específicos. O ECI constitui instrumento essencial para compreender os efeitos desses projetos sob a perspectiva indígena, considerando sua cosmologia, sistemas de conhecimento e relações intrínsecas com o território. A supressão desse mecanismo implica negligenciar violações de direitos, como contaminações ambientais, deslocamentos compulsórios e perda de biodiversidade essencial às suas práticas tradicionais. Na condição de servidores da Funai, acompanhamos centenas de processos de licenciamento anualmente e reconhecemos que o sistema atual requer aprimoramentos para assegurar maior efetividade na proteção socioambiental. Inclusive, faz-se necessária a ampliação das equipes de servidores que atuam no tema, tanto na Funai quanto nos órgãos ambientais e demais instâncias intervenientes nesses processos. Dando largos os na direção oposta, o PL 2.159/2021 representa um retrocesso, esvaziando as salvaguardas existentes, quando, por exemplo, transfere responsabilidades para estados e municípios, reduzindo o poder de fiscalização de órgãos ambientais federais, ou ao excluir a atuação da Funai na concessão de licenças ambientais em terras indígenas não homologadas.
Os desastres de Mariana (2015) e Brumadinho (2019) evidenciam que empreendimentos classificados como “de baixo risco” podem desencadear catástrofes de proporções incalculáveis, afetando populações muito além da área considerada como de impacto direto e indireto pelo próprio procedimento instituído de licenciamento ambiental. Milhões de vidas – humanas e não humanas – foram direta ou indiretamente atingidas, e povos como os Krenak, Tupiniquim e Guarani tiveram sua relação ancestral com o Rio Doce profundamente afetada. Esses episódios evidenciam os enormes riscos aos quais serão expostas populações inteiras, com a flexibilização das regras do licenciamento ambiental.
Os povos indígenas figuram entre os grupos mais vulneráveis aos impactos de grandes empreendimentos, embora sejam os que menos am seus supostos benefícios. Na atuação cotidiana da Funai, constatamos a pressão de agentes econômicos e políticos para a emissão de concessões de licenças buscando acelerar o devido processo de participação social, mesmo quando os impactos negativos ficam evidentes e ainda que diante de manifestações contrárias das comunidades indígenas. O PL institucionaliza essa lógica perversa, subordinando direitos constitucionalmente garantidos a imperativos de acumulação privada.
A aprovação de um projeto de tal teor às vésperas da COP30 demonstra que se está trabalhando ativamente na via contrária aos compromissos firmados nas conferências climáticas para o enfrentamento do iminente colapso climático. O Brasil tem a oportunidade histórica de posicionar-se como referência em desenvolvimento sustentável, mas o PL 2.159/2021 nos afasta desse horizonte, privilegiando interesses econômicos de curto prazo.
Diante do exposto, a INA reivindica que os deputados federais, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, e o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, rejeitem integralmente o PL 2.159/2021. Não é issível compactuar com um marco normativo que desmantela a proteção ambiental, silencia vozes historicamente marginalizadas e aproxima o país de tragédias socioambientais previsíveis.
Em defesa da vida, da justiça ambiental e do futuro comum!
INA – INDIGENISTAS ASSOCIADOS
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Imagem: Ricardo Stuckert / PR