Angelo Cavalcante* 5i6t3b
A sincronia indizível da direita/extrema direita opera em duas frentes essenciais; a primeira visa desmobilizar a esquerda e todos os seus braços situados, sobretudo, nos movimentos sociais, nas universidades, nas artes e na intelectualidade.
A seguinte é o necessário e imperativo de revisar ou tentar revisar a história… Aí a “cobra fuma” porque é preciso saber fazer para saber rever para, por fim, conseguir alterar, modificar sensações, afetos e sensibilidades públicas.
Nesse sentido, das maiores discrepâncias vistas nos derradeiros dias desses dias discrepantes fora justamente a infame entrevista com o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, aliás, Minas tem se convertido em espécie de útero político a gerar aberrações políticas de todos os tipos, pesos e odores. Pois bem, Zema em aberto e criminal esforço de revisão histórica afirmou que a ditadura civil e militar de 1964 é “questão de interpretação”.
Vejam bem… “Questão de interpretação!”.
Tristes tempos onde o objetivo, concreto e real da vida e do mundo vira, quem sabe, mero processo interpretativo, uma possível hermenêutica; quem sabe, um movimento gnosiológico a conferir as possibilidades do que, de fato, está posto, dado e estabelecido.
É como se o mundo e suas coisas fossem ligeira questão interpretativa, uma variável argumentativa sujeita às variações das muitas formas como as pessoas veem ou deixam de ver o que há.
Ahhh… Se fosse assim!
A fome? “Não… A fome é só uma imagem que seu cérebro, sempre crítico e revolto, produz. Isso não existe!”.
Mas temos um genocídio aberto e em pleno curso sendo, por sinal, televisionado em Gaza…
“Imagina… Essas são sensações ou desvios sensoriais fruto da ansiedade, da solidão e do medo que acomete a todos os que vivem em cidades”.
E índios sendo mortos nos interiores brasileiros?
“São lembranças ou reminiscências que nossa estrutura cerebral, notadamente colonial, reproduz e projeta de tempos em tempos… Nada demais! Dorme que a!”.
Bom… Isso é um tipo, uma forma de relativização da imensa tragédia e que virou o mundo moderno; é um esforço cínico e perverso de, digamos assim, “psicologizar”, no pior e mais degenerado sentido do termo, o mundo e seus conflitos.
Zema é um traste, uma inutilidade política, uma vergonha istrativa e uma absoluta e plena nulidade intelectual!
Uma “questão de interpretação”? A ditadura brasileira?
Repara… A “interpretação” teve sua casa arrombada por agentes de Estado; foi algemada, lançada no fundo de um camburão e jogada numa cela fria e imunda.
Mais.. a “interpretação” foi desnudada e atrepada em um pau-de-arara onde levou choques e fora supliciada por noites inteiras. A “interpretação” teve unhas arrancadas, teve o corpo queimado e acordou nua, no frio e sobre o próprio mijo.
A “interpretação” foi estuprada; socaram ratos no seu ânus e em sua vagina; a “interpretação” sangrava pelos olhos e pelo nariz.
Sim… A “interpretação” levou um tiro na têmpora e foi enterrada em vala comum e ainda hoje não localizada. Os familiares da “interpretação” sucumbiram em crises de depressão, ansiedade ou pânico.
A “interpretação”, com pés e mãos atadas, amarradas, fora lançada em alto mar em altura não descrita ou registrada.
A “interpretação”, aliás, milhares delas, fugiu na alta madrugada para a fronteira com a Bolívia ou Argentina; teve de sumir, de se exilar para não ser moído nas máquinas de ódio da ditadura.
A “interpretação”… A “interpretação” segue sangrando com intermináveis dores na alma e na vida e já entendeu que deve lutar.
Zema é um fascista!
Sem anistia!
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*Angelo Cavalcante – Economista, professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Itumbiara
Imagem: MPF. Ilustração da publicação “Crimes da Ditadura Militar”, da 2a. CCR
Enviada para Combate Racismo Ambiental por Zelik Trajber.