Em defesa das serras da Chapada, projeto fortalece formação e organização em comunidades do norte da Bahia 1d5i3

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Do alto da Serra dos Morgados, no norte da Chapada Diamantina (BA), a imensa vista que nos tira o fôlego pela riqueza do sertão da Bahia, também revela a dura realidade que este território vem enfrentando nos últimos anos: onde antes era lugar de planta, de bicho e de gente, agora é terreno para mineração, placas solares e aerogeradores. Capitaneados por grandes empresas, os megaempreendimentos de energia, sobretudo de energia renovável, têm tomado as serras com uma promessa de “progresso” que, na verdade, deixa rastros de destruição por onde a. Com impacto nas águas, na biodiversidade local e na própria vida das pessoas que vivem nessa região há séculos, esses projetos expõem a lógica predatória do novo modelo de desenvolvimento que está sendo adotado na Bahia.

“A chegada desse empreendimento representa uma perda de grande dimensão, tanto física, biológica, cultural e simbólica também, no sentido de destruir os modos de vida tradicionais”, denuncia a professora Maria Rosa Alves, integrante do Salve as Serras (SAS), movimento ecológico que defende a proteção da sociobiodiversidade do sertão baiano.

Rosa destaca que os impactos desses projetos nos territórios vão desde a questão do uso da água, a partir da diminuição das fontes e nascentes por conta do desvio dos rios para uso privado, como também na fragilização dos laços comunitários. Para a instalação das placas de energia solar e geradores de energia eólica, por exemplo, as empresas precisam firmar contratos com as pessoas que vivem nas áreas de implantação desse maquinário, o que tem sido feito a partir da violação de inúmeros direitos.

“Os primeiros sinais desse conflito é quando chegam as empresas para fazer a abordagem com cada família, cada agricultora, toda a comunidade do nosso território, porque eles chegam abordando as pessoas individualmente com uma conversa que, na verdade, não corresponde à realidade. São pressões que eles chegam dizendo que, a partir daquele contrato, que a vida da pessoa vai mudar, que vai ganhar muito dinheiro”, explica Rosa.

A professora também aponta que a instalação desses projetos transforma radicalmente os modos de vida da população que ali vive. “Além dos impactos no ambiente biofísico, tem muito também com a resistência das pessoas, a maneira como elas pertencem ao lugar, a maneira como elas vivem nesse lugar, como elas produzem a sua existência. Acho que isso diz muito sobre a relação ser humano-natureza. A gente pode dizer disso em uma dimensão além do que se vê, a dimensão das relações, dos sentimentos também”, aponta.

Mais do que apenas uma resistência à implantação desses empreendimentos, o que as comunidades e movimentos como o Salve as Serras criticam, em essência, é o modelo de desenvolvimento que tem sido adotado para a região. Um modelo que visa o lucro em cima da vida, e que a por cima da natureza, da história e cultura de toda uma comunidade.

“Hoje é muito claro para nós que a gente rejeita esse projeto de desenvolvimento. Quando eu digo a gente, é esse movimento Salve as Serras, as comunidades que estão juntas nesse mesmo caminhar. A gente não vê sentido nesse projeto de energias renováveis. Esse projeto não vai trazer nenhum benefício para os nossos territórios, porque ele desagrega, ele desmancha vínculos, desmancha a nossa rede de pertencimentos ao local, aquilo que nos mantém equilibrados, que é o chão, a terra”, salienta.

Caminhos de luta

Como estratégia para barrar a presença dos megaempreendimentos no território, já há alguns anos o SAS tem buscado judicializar essas iniciativas. Um dos exemplos é em relação ao Projeto Manacá, da empresa Quinto Energy. Segundo reportagem do Repórter Brasil, o plano da empresa é instalar 405 torres de energia eólica, com a altura de um prédio de 43 andares, além de 476 mil placas de energia solar distribuídas por Jaguarari e pelo município vizinho de Campo Formoso. A estrutura terá capacidade de 3,43 GW – um quarto de Itaipu, a maior hidrelétrica do país. O início da operação está programado para 2027 e o investimento previsto é de R$ 10 bilhões. Diante do cenário devastador que um projeto como esse pode trazer para a região, o SAS entrou com uma ação no Ministério Público para tentar barrar seu desenvolvimento.

“Nosso foco tem sido judicializar tudo que nós queremos, afastar as empresas daqui do território da Chapada Norte, que também pega ali Jacobina, Miguel Calmon, Saúde, Vazia Nova, Novo Horizonte, Mirangaba, Pindobaçu, todo esse território onde tem a possibilidade de implantar esses empreendimentos agora em 2025 e 2026”, explica Rosa.

Outra importante luta defendida pelo movimento é a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) das nascentes do Itapicuru, que seria mais um instrumento de proteção do meio ambiente. Em 2004, após quatro anos de luta e enfrentando muitas fake news, o SAS e diversas outras organizações conseguiram que a Prefeitura criasse a APA das Nascentes da Serra, em Jaguarari, o que tem fortalecido a resistência das comunidades nesse território.

“As mineradoras chegaram junto, influenciaram os vereadores para não aprovar o projeto, fizeram a divulgação de muitos fake news, ameaçaram pessoas, divulgaram muitas notícias terríveis. A gente sabe que uma APA é apenas uma ferramenta simples, que não vai proteger 100%, mas aí a gente garantiu esse decreto municipal como uma forma de afastar as empresas para outro lugar, para longe, pelo menos tirar de próxima aqui dos lugares onde tem a produção de alimentos, onde as pessoas vivem da terra, tem uma relação de dependência e pertencimento com a terra.”

Unidade para fortalecer a resistência

É diante desse cenário que o Salve as Serras tem desenvolvido o projeto “Guardiãs Ambientais” em duas comunidades da região atingidas por projetos de mineração e, mais recentemente, de energia eólica e solar. Com apoio do Fundo Casa Socioambiental no âmbito do coletivo Nordeste Potência, a proposta é que, a partir de um processo de cartografia social e formação sobre as Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável, as comunidades tenham uma compreensão mais crítica sobre sua própria realidade e se organizem para enfrentar os desafios impostos pelo avanço desses projetos.

“O primeiro momento é uma conversa para conhecer os limites do seu território, as potencialidades do seu território, as ameaças, as fraquezas, as forças, as oportunidades, tudo aquilo que tem ali dentro, para que, nesse reconhecimento, essas comunidades se fortaleçam e descubram meios de continuar habitando aquele lugar”, salienta Rosa.

A professora também aponta que integrar o coletivo Nordeste Potência fortaleceu a atuação do Instituto, sobretudo pela compreensão da dimensão coletiva dos problemas que enfrentam e o entendimento de que não estão sozinhos nessa lida.

“A participação no Nordeste Potência nos trouxe essa consciência da amplitude dessa luta, do quanto que é possível caminhar, do tanto que já perdemos e do tanto que ainda podemos nos unir para a defesa desse território.”

Para este ano, Rosa também destaca a importância da luta em unidade. O SAS tem feito parte de uma ampla articulação com outras organizações da Chapada, e a perspectiva é ampliar ainda mais essa rede de resistência frente aos projetos de mineração e transição energética. Um dos exemplos foi o ato “Grito das Serras”, realizado no dia 11 de abril, dia da Chapada Diamantina, que contou com ações coordenadas nos campi da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) de Seabra, Jacobina e Feira de Santana.

“A gente ampliou essa luta agora junto com outras organizações da Chapada toda, e isso também foi um pontapé que foi dado a partir do encontro das organizações que estão apoiadas pelo Fundo Casa nesse projeto. Foi discutido e ficou bem evidente que é preciso unificar essas lutas. Pra esse ano de 2025, eu diria que o foco é este: ampliar as alianças com parcerias do nosso campo, que está ao nosso lado, pra zonear esse território e mandar essas empresas pra mais longe possível e garantir a defesa desses lugares, dos nossos territórios de vida”, finaliza.

Comunidade de Catuni/BONFIM, 2020 – Reprodução Salve as Serras

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